Jair Bolsonaro foi um dos grandes derrotados no pleito municipal. Tido como o maior cabo eleitoral da direita, empenhou-se em projetos que fracassaram no segundo turno, como os dos políticos do PL Bruno Engler, em Belo Horizonte, e Fred Rodrigues, em Goiânia. Mesmo em vitórias importantes, houve controvérsias. Em Curitiba, apesar de ter indicado o vice de Eduardo Pimentel, flertou com a adversária dele, a radical Cristina Graeml (PMB). O ex-presidente também indicou o companheiro de chapa de Ricardo Nunes em São Paulo, mas teve uma participação tímida na campanha, deixando claro que o emedebista não era o nome dos seus sonhos. A confusão aumentou quando elogiou a inteligência de Pablo Marçal (PRTB), adversário direto de Nunes.
Jair Bolsonaro foi um dos grandes vencedores nas eleições. Mesmo sem mandato, inelegível e na iminência de se tornar réu em processos como o da tentativa de golpe no 8 de Janeiro, encarnou a bandeira de líder dos conservadores e ajudou a direita a obter vitórias significativas. Venceu a esquerda em confrontos diretos em capitais como Cuiabá e São Paulo. O ex-presidente ainda ajudou o PL a ser a sigla mais vitoriosa nos municípios com mais de 200 000 habitantes e foi o fiador de uma série de novas forças que, por pouco, não emplacaram no segundo turno, como André Fernandes, em Fortaleza.
Essas duas visões totalmente distintas sobre o saldo do papel de Bolsonaro no pleito circularam com força nos últimos dias. A média entre elas é a que se aproxima mais da realidade, dentro de uma análise desapaixonada. É inegável que o capitão fracassou em vários movimentos, com destaque para a cavalgada que fez em Goiânia para tentar derrubar Sandro Mabel, candidato de Ronaldo Caiado. Por outro lado, é fato também que o PL, partido do ex-presidente, conquistou quatro capitais, enquanto o PT ficou com apenas uma. Em Cuiabá, em confronto direto com o petismo, o capitão foi o grande aliado da campanha do deputado Abilio Brunini. Bolsonaro, aliás, levou a sério o papel de cabo eleitoral em 2024: em 97 dias, das convenções partidárias ao segundo turno, esteve presente em 105 cidades brasileiras, espalhadas por dezoito estados. O cacique do partido, Valdemar Costa Neto, reconhece que o crescimento do PL se deve a Bolsonaro.
Agora, o périplo dele será por uma área bem diferente e muito mais espinhosa: os corredores da Justiça. A Polícia Federal está prestes a complicar de vez a situação do ex-presidente, indiciando-o no caso de tentativa de golpe de Estado. De longe, trata-se do caso com maior potencial de estrago. A expectativa é a de que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, ofereça denúncia ao STF, após analisar os relatórios dessa investigação. “Nunca atuei fora das quatro linhas, não tenho medo de julgamento, mas minha preocupação é quem vai me julgar”, afirmou Bolsonaro a VEJA em entrevista realizada na manhã de terça, 29, referindo-se à perseguição que diz sofrer dentro da Corte, em especial, do ministro Alexandre de Moraes. Em outra complexa frente de batalha nos tribunais, o ex-presidente vai multiplicar esforços para tentar recuperar os direitos políticos a tempo de disputar 2026. O primeiro passo envolve massificar dentro da opinião pública a crença de que teria sido injustiçado. “Depois, a alternativa é o Parlamento, uma ação no STF, esperar o último momento para registrar a candidatura e o TSE que decida”, afirmou.
Nessa mesma conversa com VEJA, tendo ao lado um dos seus mais fiéis aliados, o advogado Fabio Wajngarten, Bolsonaro descartou qualquer alternativa para o lugar dele em 2026 (“Não estou morto”), criticou o nome em ascensão da direita, Pablo Marçal, e não poupou o governo Lula, reservando as críticas mais duras para a economia, a política internacional e o meio ambiente. Dentro da perspectiva de retomada do poder da direita contra a esquerda, diz não enxergar outro nome com a mesma competitividade: “Chance só tenho eu, com todo o respeito”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O senhor apoiou candidatos que perderam em capitais como Goiânia e Fortaleza. Em Curitiba, flertou com a oposição, mesmo tendo indicado o vice da chapa da situação. Em São Paulo, apareceu pouco na campanha de Ricardo Nunes. O que acha da análise de que foi o grande derrotado nas eleições? Eu não tenho derrota. Meu partido, o PL, passou a ter quatro capitais, e nas cidades com mais de 200 000 eleitores somos campeões. Não foi apenas o PL que venceu. PSD e União também. O governador Tarcísio de Freitas ajudou muito em São Paulo. Mas uma parte considerável das vitórias foi do PL, não se pode menosprezar. O conservadorismo venceu.
Mas o senhor se envolveu em campanhas importantes que fracassaram, como a de Goiânia, e em Curitiba “piscou” para a candidata de oposição ao Eduardo Pimentel. Não foram derrotas? Em Curitiba, “pisquei”, sim, para a Cristina Graeml, não vou negar. O prefeito atual, o Rafael Greca, que apoia o Pimentel, desceu a porrada em mim de graça. Eu liguei para a Cristina, falei para batermos um papo, tiramos foto e deixei usar, mas não falei que ia votar nela.
Em São Paulo, durante um momento, muitos bolsonaristas acharam que o senhor estava com o Pablo Marçal. O que aconteceu? Há aproximadamente três meses, o Marçal me procurou. Era uma conversa privada. Falamos uma hora, ele queria que eu estivesse junto com ele e eu disse que havia fechado em São Paulo com o Nunes, indicando o vice. O Marçal saiu da conversa dizendo para a imprensa que eu estaria com ele. Mentiu. Quando fui fazer o desmentido, disse que o Marçal é um cara inteligente. Continuo achando isso, mas ele não usou para o bem a inteligência.
Qual o futuro dele? É jovem, tem um baita futuro, mas começou arranhado. Fez aquela live às vésperas do segundo turno com o Guilherme Boulos. Ali, cometeu um erro, querendo aliviar o lado dele junto ao Boulos por causa da divulgação do laudo falso. Pode ter agora algum partido que queira dar legenda para o Marçal em 2026. Ele ganhou notoriedade nacional, se expressa bem e prega uma coisa que todo mundo quer, que é prosperidade.
Por que essa questão da prosperidade virou algo tão importante? É uma grande diferença para a esquerda, que não entende o conceito de empreendedor. Eles vivem do Estado. O PT é como aquele namoro de juventude, quando se promete: “Te dou a lua”. Depois, o jovem envelhece e não acredita mais nisso.
Diante do fato de que o senhor está inelegível, quem pretende apoiar em 2026? Falam em vários nomes, Tarcísio, Caiado, Zema… O Tarcísio é um baita gestor. Mas eu só falo depois de enterrado. Estou vivo. Com todo o respeito, chance só tenho eu, o resto não tem nome nacional. O candidato sou eu.
Mas o senhor acha que é possível recuperar os seus direitos políticos? Eu pretendo disputar 2026. Não tem cabimento a minha inelegibilidade. O processo por abuso de poder político foi por ter me reunido com embaixadores antes do período eleitoral. Não ganhei um voto com isso. No caso do poder econômico, subi no carro de som na manifestação do 7 de Setembro e fiquei lá abanando; só depois fiquei sabendo que tudo estava sendo bancado pelo Silas Malafaia. São injustiças, uma perseguição. O pessoal já sabe, mas preciso massificar isso entre a população. Depois, as alternativas são o Parlamento, uma ação no STF, esperar o último momento para registrar a candidatura e o TSE que decida. Não sou otimista, sou realista, estou preparado para qualquer coisa.
Tudo indica que a PF irá indiciá-lo no caso da tentativa de golpe. Não teme esse processo? É só perseguição, sinto isso o tempo todo: baleia, leite condensado, cartão de vacina, golpe usando a Constituição. Dar golpe é a coisa mais fácil, pega uns malucos… mas, e no dia seguinte? Nunca joguei fora das quatro linhas. Não tenho medo de julgamento, minha preocupação é quem vai me julgar.
Durante a campanha municipal, o senhor reclamou mais uma vez de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes no caso da busca e apreensão tendo como alvo um de seus aliados, o deputado Gustavo Gayer. Por que disse na ocasião “sempre ele”, referindo-se a Moraes? Nas últimas eleições, nós do PL enfrentamos a máquina estadual, a municipal e o Alexandre de Moraes, com aquelas buscas e apreensões. Ele interveio na minha eleição. Quando inventou o inquérito dos empresários golpistas, inibiu uma gama de gente que estava do meu lado. Agora, no caso da derrubada do X, perdi contato com milhões de pessoas. É a rede mais democrática que nós temos. Eles não querem censurar fake news nem barrar desinformação, querem censurar a verdade. A turma que está lá com o Moraes, como o pessoal da PF, são pessoas que trabalham atendendo ao desejo dele.
O senhor é a favor de um movimento no Senado para aprovar impeachment de ministros do STF? Não é bom ter um Senado para votar impeachment de quem quer que seja. Impeachment não é o ideal, significa que estamos vivendo uma anormalidade. Eu quero um Judiciário forte, isso é uma garantia para todos nós. Mas precisamos também ter equilíbrio entre os poderes. O Judiciário foi jogado na vala do partidarismo.
É mesmo um plano do senhor ter três integrantes da família no Senado em 2026: os filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro, além da ex-primeira-dama Michelle? O Flávio vai para a reeleição, e quem lançou o Eduardo foi o Valdemar Costa Neto, nosso presidente. A Michelle deve concorrer ao Senado pelo Distrito Federal, tem grande chance de se eleger. É o plano ideal para ela.
O senhor está empenhado no movimento de anistia no Congresso aos implicados no 8 de Janeiro. Acha que isso passa em votações na Câmara e no Senado? Falei recentemente com o Arthur Lira, o presidente da Câmara, e ele vai transformar o projeto de anistia em comissão especial. Vamos levar para conversar com os parlamentares gente como a mãe que tem seis filhos em Ji-Paraná, Rondônia. O pai foi condenado a dezessete anos de cadeia, está foragido. Fiz um vídeo, apelei aos senhores do STF, tem que ter um pouco de coração. Seis crianças vão crescer sem o pai. É um abuso na condenação. Já deu o que tinha que dar isso aí. Tenho dito que, nessa história da anistia, o meu caso está em segundo plano.
Nos bastidores, fala-se que Lula e o PT teriam interesse em ajudar o senhor a recuperar os direitos políticos, pois seria mais fácil enfrentá-lo em 2026 do que outros presidenciáveis. O que acha dessa tese? Já ouvi isso aí. Vão me rememorar como fascista, racista, homofóbico, grosso… Estou com 69 anos. Não tenho obsessão pelo poder, mas tenho paixão pelo meu Brasil, por essa multidão que me acompanha em qualquer região. Se Deus me der essa oportunidade de disputar as eleições, debato com qualquer um. O governo Lula está destruindo o legado que eu deixei. Não teve corrupção na minha gestão, fui o único presidente com teto de gastos, passamos o Bolsa Família para 600 reais com responsabilidade fiscal, colocamos gente qualificada nos ministérios e nunca defendi regulação das mídias como o PT quer fazer agora.
Não teve até agora nenhum acerto? A reforma tributária é um desastre, vão taxar tudo, até os sonhos. No meio ambiente, vimos aí a questão das queimadas, das mortes dos yanomamis. A política externa é um desastre. A questão de Israel é um desastre. Invadiram, mataram mais de 1 000 pessoas, fizeram barbaridades com mulheres e crianças. Não justifica isso aí por nada.
Caso volte um dia ao Palácio do Planalto, faria algo diferente em relação ao seu governo? Teria ministros palacianos com um perfil mais político. Manteria o “cercadinho”, pois gosto do contato direto com o povo. Continuo “imbrochável” e não errei em nenhuma das observações que fiz durante a pandemia.
Fonte: Veja