*Por Júnior Melo, 19 de março de 2025*
Documentos recém-divulgados sobre o assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy, ocorrido em 22 de novembro de 1963, estão jogando luz sobre um capítulo pouco conhecido da história brasileira: a intensa atividade comunista no país durante os anos 1960, com destaque para a participação de Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e figura central do trabalhismo, além do treinamento de brasileiros em Cuba. As revelações, que estavam sob sigilo por décadas, sugerem uma conexão entre o cenário político brasileiro da época e os temores internacionais de expansão do comunismo no auge da Guerra Fria.
Os arquivos, liberados pelos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos em dezembro de 2022 e complementados por novos documentos em 2025, mostram que os serviços de inteligência americanos monitoraram de perto as ações de Brizola e de outros líderes políticos brasileiros. Segundo os relatórios, Brizola, que liderou a Campanha da Legalidade em 1961 para garantir a posse de João Goulart (Jango) como presidente após a renúncia de Jânio Quadros, teria mantido contatos com o regime cubano de Fidel Castro. Os documentos apontam que, após o golpe militar de 1964, que depôs Jango, Brizola, exilado no Uruguai, teria coordenado esforços para organizar uma resistência armada contra a ditadura, com apoio logístico e financeiro de Havana.
Um dos trechos mais intrigantes dos arquivos relata que brasileiros foram enviados a Cuba para treinamento político-militar, com o objetivo de formar quadros revolucionários capazes de liderar uma contraofensiva no Brasil. “Fui a Cuba para tratar do treinamento de brasileiros – e também do apoio financeiro de Cuba ao movimento”, teria afirmado Herbert de Souza, o Betinho, emissário de Brizola, conforme registros de entrevistas da época. Esses brasileiros, identificados em alguns documentos apenas por codinomes, integrariam um grupo especial conhecido como “GG” (provavelmente abreviação de “Grupo de Guerrilha”), segundo informes da inteligência americana.
A participação de Brizola nesse contexto não é novidade para historiadores, mas os documentos recém-revelados trazem detalhes inéditos. Relatórios da CIA sugerem que, entre 1961 e 1964, antes mesmo de seu exílio, Brizola já era visto como uma ameaça pelos Estados Unidos devido a suas políticas nacionalistas e à desapropriação de empresas americanas, como a Bond and Share e a ITT, no Rio Grande do Sul. “O Brasil poderia se tornar uma outra Cuba”, alertou o embaixador Lincoln Gordon em um telegrama de 1961 ao governo Kennedy, destacando a preocupação de Washington com o avanço de ideias de esquerda no país.
Os arquivos também mencionam a intensa vigilância sobre outros movimentos brasileiros influenciados pela Revolução Cubana. As Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, e grupos como a Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighela, teriam enviado militantes para treinamento em Cuba, especialmente após 1964, quando a luta armada se intensificou contra o regime militar. A conexão com o assassinato de JFK, porém, permanece indireta: os documentos indicam que a CIA investigou possíveis redes comunistas internacionais, incluindo no Brasil, como parte de uma busca mais ampla por conspirações após a morte do presidente, mas não há evidências concretas de envolvimento direto de brasileiros no crime.
No Brasil, as revelações têm gerado reações mistas. Para o historiador Jean Rodrigues Sales, da Unicamp, “a influência cubana foi crucial na radicalização de setores da esquerda brasileira, mas é preciso cautela para não superdimensionar esses eventos”. Já políticos ligados ao legado de Brizola, como membros do PDT, defendem que sua atuação era voltada à defesa da democracia e da soberania nacional, e não a uma revolução comunista. “Brizola conspirava no exílio porque era o ofício do exilado, como ele mesmo dizia, mas seu objetivo era restaurar a legalidade, não implantar um regime cubano aqui”, afirmou um porta-voz do partido.
Enquanto os documentos continuam a ser analisados, uma coisa é certa: as novas informações reacendem o debate sobre o papel do Brasil na Guerra Fria e o peso das tensões internacionais na formação de sua história recente. Seja como protagonista ou como peça em um tabuleiro maior, Leonel Brizola e os brasileiros treinados em Cuba emergem como símbolos de um período turbulento, cujas reverberações ainda ecoam mais de meio século depois.