Jovens de 19 anos descobrem que são gêmeas enquanto investigam a verdade sobre 120 mil bebês roubados

Foto: Vano SHLAMOV / AFP
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04/07/2024 15:19 | 6 min de leitura


Em 2022, Elene Deisadze, uma estudante da Geórgia, estava navegando no TikTok quando se deparou com a conta de Anna Panchulidze, uma jovem que era muito parecida com ela. Intrigada, Elene entrou em contato com Anna e as meninas, agora com 19 anos, iniciaram uma amizade digital em que a semelhança era um tema recorrente.

Quando Elene e Anna completaram 18 anos, descobriram, cada uma a seu modo, que eram adotadas. Diante de tal coincidência, elas decidiram fazer um teste de DNA, cujo resultado mudou suas vidas: elas eram da mesma família e irmãs gêmeas.

— Tive uma infância feliz, mas agora todo o meu passado parece uma ilusão — disse Anna, uma estudante de Inglês, à AFP.

Elene e Anna não são casos isolados no país caucasiano, onde o tráfico de bebês prosperou por mais de meio século. Os bebês eram frequentemente separados de suas mães no nascimento, com certidões de óbito falsas, e entregues para adoção na Geórgia ou no exterior com certidões de nascimento falsas.

Uma rede, suspeita de envolver maternidades, berçários e agências de adoção, organizava esses sequestros. Pelo menos 120.000 bebês foram "roubados de seus pais e vendidos" entre 1950 e 2006, de acordo com a estimativa da jornalista georgiana Tamuna Museridze, que investiga o assunto.

Nova realidade
Elene, uma estudante de psicologia, e Anna começaram a revelar seu passado roubado há dois anos. Seus respectivos pais planejavam há algum tempo revelar que elas haviam sido adotadas e finalmente o fizeram no ano passado. Anna admite que achou difícil "aceitar essa nova realidade", mas diz que se sente "imensamente grata" a seus pais adotivos e feliz por ter encontrado sua irmã.

Foi Tamuna Museridze, que dirige um grupo no Facebook dedicado a reunir bebês roubados com seus pais biológicos, que ajudou a organizar o teste de DNA de Elene e Anna. Ela fundou o grupo, que agora tem cerca de 200.000 membros, em 2021, depois de descobrir que havia sido adotada, na esperança de encontrar sua família.

— Eles diziam às mães que seus bebês haviam morrido após o nascimento e estavam enterrados no cemitério do hospital — explica Museridze.

Quanto aos pais adotivos, muitas vezes ouviam uma história inventada sobre o passado do bebê e não sabiam que a operação era ilegal. Outros "optaram conscientemente por burlar a lei e comprar um bebê" para evitar a longa espera para adotar, diz Museridze.

Ela diz que os pais adotivos na Geórgia pagavam o equivalente a vários meses de salário e, no exterior, até US$ 30.000. Até que, na década de 2000, as medidas contra o tráfico introduzidas pelo então presidente Mikheil Saakashvili finalmente puseram fim a esse sistema.

Incógnitas
A mãe adotiva de Elene, Lia Korkotadze, explica que ela e seu marido decidiram adotar depois de descobrirem que não poderiam ter filhos. Mas ir a um orfanato "parecia impossível, por assim dizer, por causa das listas de espera muito longas", diz a economista de 61 anos.

Em 2005, um conhecido lhe contou sobre um bebê de seis meses em um hospital local que poderia ser adotado mediante o pagamento de uma taxa. Pouco tempo depois, Elene chegou à sua casa, sem que Korkotadze suspeitasse que havia "algo ilegal" acontecendo.

O trabalho de Tamuna Museridze foi fundamental para despertar a opinião pública. Mais de 800 famílias foram reunidas por meio de seu grupo no Facebook. Apesar das investigações iniciadas pelos diversos governos da Geórgia, poucas informações foram divulgadas e as incógnitas continuam sendo maiores do que as respostas.

O porta-voz do Ministério do Interior, Tato Kuchava, disse à AFP que a investigação estava "em andamento", sem dar mais detalhes. Museridze acredita que isso não é suficiente. "O governo não fez nada de concreto para nos ajudar.

Fonte: O Globo

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