Projeto de lei que prevê multa de até R$ 17 mil para quem doar comida à população de rua em SP causa revolta

Foto: Divulgação/Articulação Permanente de Direitos da População em Situação de Rua
Foto: Divulgação/Articulação Permanente de Direitos da População em Situação de Rua
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28/06/2024 17:13 | 9 min de leitura


A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo disse nesta sexta-feira (28), por meio de nota, que o projeto de lei que prevê multa de R$ 17 mil a quem descumprir determinados requisitos sobre doação de alimentos a pessoas em situação de rua na capital é inconstitucional.

O texto foi aprovado em primeira votação pela Câmara dos Vereadores de São Paulo nessa quinta-feira (27) e recebeu inúmeras críticas de ONGs e entidades.

"Se todos são iguais perante à lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais. Desta forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos."
No texto, a Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB-SP aponta que a proposta, configura "em uma ação de abuso de poder por parte da Câmara ao requerer que doadores e pessoas atendidas tenham que solicitar autorização para tal ato." .

Logo após a aprovação na Câmara, a prefeitura afirmou que analisaria o projeto, caso ele fosse aprovado em segunda votação. Nesta sexta, após repercussão negativa, Ricardo Nunes (MDB) afirmou que irá veta-lo.

Entidades criticam

Ao g1, os representantes de ONGs que atuam com pessoas em situação de rua apontaram que exigir listas, documentos e autorizações são "arbitrariedades sem sentido ou base que, com certeza, afastarão voluntários e inibirão o trabalho humanitário realizado hoje pelas ONGs na cidade".

"A proposta encabeçada pelo vereador Rubinho Nunes [União] novamente mostra um profundo desconhecimento dele em relação à realidade da população vulnerável na cidade. Centenas de entidades fazem o trabalho que a prefeitura deveria fazer, mantendo essas pessoas vivas, alimentadas e protegidas do frio. São grupos de voluntários. Muitas dessas ONGs são formalizadas, mas muitas não são, justamente por se tratar de projetos formados por cidadãos que resolveram fazer o que o Estado falha em fazer", destacaram Thiago Branco, fundador da ONG Mãos na Massa, e Christian Francis Braga, fundador do Instituto GAS.

Pai Denisson D’Angiles, fundador do Instituto CEU Estrela Guia, disse estar estarrecido com o projeto de lei. "Quando alguém com o poder de legislar sobrepõe as suas vontades próprias em vez de coibir a fome, nos preocupa muito. A fome está latente no coração da cidade. Uma pessoa com um pouquinho de discernimento, com um pouquinho de razão, jamais cercearia este bem-estar, cercearia a vida de uma pessoa".

A Ação da Cidadania, uma das maiores ONGs de combate à fome no país, também criticou o projeto:

"É triste observar que representantes políticos da maior metrópole do país estabeleça critérios para que a sociedade civil cumpra com um trabalho que deveria ser uma atribuição do poder público, sob consequência de pagamento de multa de até R$ 17 mil, além de tantas outras barreiras burocráticas com o claro objetivo de desencorajar a atuação de organizações não-governamentais e entidades que distribuem refeições diárias para quem não tem o que comer", destacou a entidade.

Em nota, Rubinho Nunes (União), autor do projeto, afirmou que "o objetivo do projeto é garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição, prestigiando a higiene e acolhimento das pessoas vulneráveis durante a alimentação". Disse também que "alguns veículos deram uma interpretação errada e desvirtuada sobre o projeto".

"O projeto também otimiza a assistência, pois evita desperdício e a venda de marmitas para compra de drogas devido a distribuição concentrada, o que prejudica a ajuda a pessoas em regiões mais afastadas da cidade", completou.

O que prevê o projeto?

Para doar alimentos, as pessoas físicas deverão:

- Limpar toda a área onde será realizada a distribuição dos alimentos e disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos e "demais ferramentas necessárias à alimentação segura e digna, responsabilizando-se posteriormente pela adequada limpeza e asseio do local onde se realizou a ação";
- Autorização da Secretaria Municipal de Subprefeituras;
- Autorização da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS);
- Cadastro de todos os voluntários presentes na ação junto à SMADS.

Além dos requisitos descritos acima, as entidades e ONGs deverão:

- Razão social da entidade registrada e reconhecida por órgãos competentes do município;
Apresentação de documento atualizado com informações sobre o quadro administrativo da entidade, com nomes e cargos dos membros e as devidas comprovações de identidade;
- Cadastro das pessoas em situação de vulnerabilidade social e informações atualizadas SMADS
- Os voluntários deverão estar identificados com crachá da entidade no momento da entrega do alimento;
- As documentações apresentadas pelas ONGs e entidades deverão ser autenticadas em cartório ou estar acompanhadas de atestado de veracidade.

O texto também estabelece que o local em que os alimentos serão preparados deverão passar por vistoria da Vigilância Sanitária.

A Prefeitura de São Paulo informou que, atualmente, não existe obrigação de TPU (Termo de Permissão de Uso) para entrega de alimentação às pessoas em situação de rua.

Fonte: G1

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